O que é apneia do sono e por que você deve levar a sério
A apneia do sono é um distúrbio respiratório caracterizado por pausas recorrentes na respiração durante o sono. Essas pausas, apneias (paradas) e hipopneias (reduções do fluxo), fragmentam o sono, derrubam a oxigenação e, consequentemente, sobrecarregam o coração, o cérebro e o metabolismo. Em adultos, a gravidade costuma ser classificada pelo Índice de Apneia-Hipopneia (AHI): leve (5–14,9), moderada (15–29,9) e severa (≥30 eventos/hora). Quanto maior o AHI, maiores os riscos e mais intensa a sonolência diurna, a hipertensão resistente e as complicações cardiovasculares. PMC+1
Embora muita gente associe apneia apenas a ronco alto, o problema vai além do barulho. Na prática, a apneia interrompe o sono profundo, eleva o cortisol, desregula o açúcar no sangue e, por fim, aumenta o risco de arritmias, AVC e infarto. Por isso, identificar cedo os sinais e diagnosticar corretamente faz enorme diferença no tratamento e no prognóstico.
Tipos de apneia do sono (e o que diferencia cada um)
Para você entender melhor, existem três formas principais:
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Apneia Obstrutiva do Sono (AOS/OSA): a mais comum. Ocorre quando a via aérea superior colapsa parcial ou totalmente durante o sono. É a forma associada a ronco alto, pausas observadas e engasgos noturnos.
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Apneia Central do Sono (ACS): menos frequente. Aqui o cérebro “esquece” de enviar o comando de respirar por alguns segundos; não há obstrução mecânica, e sim falha de controle ventilatório.
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Apneia mista/complexa: começa obstrutiva e, com o tratamento (ou durante o mesmo exame), surge componente central. Requer avaliação especializada.
Em termos práticos, você verá que sintomas noturnos costumam se sobrepor entre os tipos; porém, o diagnóstico (que veremos na Parte 2) ajuda a diferenciar e direcionar a terapia correta. Sendo assim a polissonografia (PSG) continua sendo o padrão-ouro para diagnosticar a apneia do sono com precisão. Academia Americana do SonoJCSM
Fatores de risco: quem tem mais chance de ter apneia?
Embora qualquer pessoa possa ter apneia, alguns fatores aumentam significativamente o risco. E, sim, conhecer esses fatores ajuda a suspeitar mais cedo e agir com antecedência:
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Idade (maior incidência a partir da meia-idade).
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Excesso de peso (gordura cervical/abdominal reduz o calibre da via aérea).
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Pescoço espesso (circunferência aumentada).
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Sexo masculino (risco maior; contudo, mulheres pós-menopausa também aumentam risco).
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Anatomia da via aérea (amígdalas grandes, retrognatia, septo desviado).
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Álcool e sedativos à noite (relaxam musculatura da faringe).
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Tabagismo (inflama a mucosa e facilita colapso).
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História familiar (fatores genéticos e craniofaciais).
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Distúrbios hormonais (hipotireoidismo, acromegalia) e condições cardiopulmonares.
Além disso, gestantes podem apresentar ronco novo e eventos respiratórios em razão de alterações hormonais e de volume; nesses casos, a avaliação deve ser rápida para proteger mãe e bebê. Em crianças, amígdalas/adenoides grandes e alterações craniofaciais são causas comuns — e o quadro frequentemente se manifesta como sono agitado, respiração pela boca e desempenho escolar pior.
Sinal de alerta: se alguém já “viu” você parar de respirar durante a noite, isso por si só é um red flag; procure avaliação.
Sintomas: noturnos e diurnos (e como eles se conectam)
A apneia do sono é uma doença noctívaga por natureza — acontece quando você dorme —, mas os efeitos “vazam” para o dia seguinte. Por isso, vamos separar, de modo objetivo, o que aparece à noite e o que aparece durante o dia.
Sintomas noturnos (o que acontece enquanto você dorme)
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Ronco alto, frequente e irregular, muitas vezes com pausas abruptas.
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Engasgos/notável falta de ar seguidos de microdespertares (você “desperta” sem perceber).
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Sono inquieto, com viradas constantes na cama.
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Noctúria (acordar várias vezes para urinar).
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Boca seca e dor de garganta ao despertar.
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Refluxo noturno (ou sensação de queimação).
Sintomas diurnos (as pistas durante o dia)
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Sonolência excessiva (lutar para manter os olhos abertos em reuniões, no trânsito ou após o almoço).
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Fadiga, dor de cabeça matinal e sensação de sono “não restaurador”.
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Queda de concentração e memória, lapsos de atenção, produtividade baixa.
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Irritabilidade e humor deprimido (ansiedade/depressão frequentemente coexistem).
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Baixa libido e alterações hormonais.
Aqui vale um destaque: a sonolência diurna pode ser medida com a Escala de Sonolência de Epworth (ESS). Em geral, escores ≥10 sugerem sonolência excessiva, que merece investigação; quanto mais alto o escore (p.ex., 16–24), maior a urgência de avaliação. Cleveland ClinicCDCUofM Health
Tabela prática — sinais e pistas rápidas
Pista | O que observar | Por que importa |
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Ronco alto e irregular | Pausas seguidas de engasgos | Indica colapso de via aérea |
Pausas observadas | Parceiro relata “paradas” | Forte sugestão de apneia obstrutiva |
Acordar para urinar | 2+ vezes por noite | Fragmentação de sono aumenta diurese |
Cefaleia matinal | Aperta nas primeiras horas do dia | Hipóxia noturna + sono fragmentado |
Sonolência ao dirigir/reuniões | “Pescadas” frequentes | Risco de acidentes e baixo desempenho |
Epworth ≥10 | Sonolência excessiva | Triagem para investigação formal |
(A ESS é uma triagem de sonolência; ela não fecha diagnóstico de apneia isoladamente.) Cleveland Clinic
Ferramentas de rastreio (triagem): úteis, mas não substituem exame
Para estratificar risco de apneia do sono em adultos, muitos serviços utilizam dois instrumentos rápidos:
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STOP-Bang: questionário de 8 itens — Snore (ronco), Tired (cansaço), Observed apnea (pausas observadas), Pressure (pressão alta), BMI (IMC), Age (idade), Neck (pescoço), Gender (sexo). Escores mais altos indicam maior probabilidade de apneia moderada-a-severa. Ótimo para risco cirúrgico e triagem clínica. Sleep EducationJAMA NetworkStopBang
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Epworth Sleepiness Scale (ESS): mede sonolência diurna percebida (0–24). ≥10 levanta suspeita de sonolência excessiva; ≥16 sugere gravidade. Útil para monitorar sintomas, mas, isoladamente, não diagnostica apneia. Cleveland Clinicepworthsleepinessscale.com
Ponto-chave de diretriz: questionários e algoritmos não devem, sozinhos, fazer diagnóstico; eles ajudam a selecionar quem deve realizar exame objetivo (PSG/HSAT). Academia Americana do Sono
Quando desconfiar de apneia do sono — e agir sem demora
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Você ronca quase todas as noites + alguém já viu pausas ou engasgos.
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Você acorda exausto apesar de “dormir 7–8 horas”.
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Você tem pressão alta resistente, diabetes difícil de controlar, fibrilação atrial ou histórico de AVC.
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Seu Epworth é ≥10 e você “pescaria” facilmente em situações passivas.
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Você tem IMC elevado e pescoço espesso (ou STOP-Bang alto).
Nessas situações, não espere: a avaliação com profissional habilitado (clínico, pneumologista, otorrino ou médico do sono) é o caminho mais seguro para confirmar a suspeita e evitar complicações.
Por que os sintomas pioram à noite? Um olhar rápido para a fisiologia
Durante o sono, especialmente no REM, a musculatura da via aérea superior relaxa. Se você tem calibre reduzido (por anatomia, gordura cervical, inflamação da mucosa, retrognatia), a passagem do ar estreita e vibra (ronco); às vezes, colapsa por completo (apneia). O cérebro detecta a queda do oxigênio, dispara um microdespertar e “reabre” a via aérea. Você volta a respirar, mas perde quantidade e qualidade de sono profundo. E o ciclo se repete, dezenas ou centenas de vezes por noite.
Além disso, picos repetidos de hipóxia e ativação do sistema simpático aumentam pressão, frequência cardíaca e inflamação sistêmica — os mesmos mecanismos ligados a hipertensão resistente, arritmias e doença cardiovascular.
A gravidade (AHI) importa — mas não é tudo
Como já comentamos, o AHI classifica a apneia: leve (5–14,9), moderada (15–29,9) e severa (≥30/hora). Entretanto, clinicamente, olhamos também para:
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Queda de saturação (nadir de SpO₂).
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Tempo total com SpO₂ <90%.
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Sintomas diurnos (p.ex., Epworth).
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Comorbidades (cardíacas, neurológicas, metabólicas).
Ou seja, duas pessoas com o mesmo AHI podem ter gravidade clínica diferente conforme a oxigenação e o perfil de risco. Ainda assim, o AHI continua sendo o padrão aceito nas sociedades médicas para graduar a OSA. PMC+1
Erros comuns que atrasam o diagnóstico
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Normalizar o ronco (“meu pai sempre roncou!”). Ronco frequente e alto não é normal.
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Achar que cansaço é só “falta de academia”. Sonolência e névoa cognitiva podem ser sinais de apneia.
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Usar apenas apps de smartphone para “diagnosticar”. Eles podem sugerir padrões, mas não substituem PSG ou HSAT, que medem eventos respiratórios, oxigenação e estágios do sono. Medscape
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Confiar apenas em questionários sem exame objetivo. As diretrizes desencorajam diagnóstico baseado só em triagens. Academia Americana do Sono
Diagnóstico: como confirmar a apneia do sono
Embora os sintomas e questionários levantem suspeitas, o diagnóstico definitivo de apneia do sono só pode ser feito por meio de exames objetivos de sono. Isso é fundamental porque roncar, ter sonolência ou até marcar alto no STOP-Bang não garante, por si só, que você tenha o distúrbio.
A boa notícia é que hoje existem diferentes ferramentas para diagnosticar de forma precisa — e, portanto, iniciar o tratamento correto.
Polissonografia: o padrão-ouro do diagnóstico
A polissonografia (PSG) é considerada o exame mais completo e confiável para diagnosticar distúrbios respiratórios do sono. Realizada em laboratório especializado, geralmente durante uma noite inteira, ela registra múltiplos parâmetros fisiológicos enquanto você dorme.
O que a PSG mede:
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EEG (eletroencefalograma): monitora ondas cerebrais e estágios do sono.
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EOG (eletro-oculograma): registra movimentos oculares (REM/NREM).
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EMG (eletromiograma): capta atividade muscular do queixo e pernas.
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Fluxo aéreo nasal/oral: identifica apneias e hipopneias.
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Esforço toracoabdominal: mostra se há movimento respiratório (ajuda a diferenciar apneia obstrutiva da central).
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Oximetria: mede a saturação de oxigênio no sangue (SpO₂).
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ECG: avalia frequência e ritmo cardíaco.
Vantagens da PSG
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Detecta não apenas apneia, mas também outros distúrbios, como insônia, movimentos periódicos de pernas, sonambulismo e narcolepsia.
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Permite análise detalhada dos estágios do sono e da oxigenação.
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É o único exame que diferencia com clareza apneia obstrutiva de apneia central.
Limitações
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Custo mais alto.
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Exame em ambiente diferente da casa, o que pode alterar a naturalidade do sono.
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Demanda agendamento em laboratório especializado.
Apesar disso, a PSG continua sendo o padrão-ouro reconhecido internacionalmente. Sempre que há dúvida diagnóstica, presença de comorbidades ou necessidade de detalhamento completo, ela é a melhor escolha.
Teste domiciliar de apneia (HSAT): quando usar
Nos últimos anos, o Home Sleep Apnea Test (HSAT) ou poligrafia domiciliar tornou-se uma alternativa prática e menos custosa.
Como funciona
O paciente leva para casa um kit portátil que mede fluxo aéreo, esforço respiratório, frequência cardíaca e saturação de oxigênio.
Indicações
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Adultos com alto risco clínico de apneia obstrutiva do sono (ronco frequente, pausas observadas, sonolência diurna).
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Sem comorbidades graves (como doenças pulmonares avançadas ou insuficiência cardíaca).
Limitações
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Não registra EEG, portanto não diferencia estágios de sono.
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Pode subestimar ou perder eventos mais leves.
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Não é adequado para pacientes com doenças neurológicas, cardíacas ou suspeita de apneia central.
Assim, o HSAT é útil, mas não substitui a PSG em casos complexos. Portanto ele deve ser sempre prescrito e interpretado por um médico habilitado.
Como interpretar os resultados: AHI e além
O AHI (Apnea-Hypopnea Index) é o principal parâmetro do laudo. Ele indica o número médio de apneias e hipopneias por hora de sono.
Classificação do AHI
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Normal: < 5 eventos/hora
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Leve: 5 a 14,9 eventos/hora
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Moderada: 15 a 29,9 eventos/hora
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Severa: ≥ 30 eventos/hora
No entanto, é importante lembrar que o AHI não conta toda a história. Dois pacientes podem ter o mesmo índice, mas impactos clínicos diferentes. Por isso, médicos também analisam:
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Saturação mínima de oxigênio (nadir SpO₂).
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Tempo total com SpO₂ abaixo de 90%.
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Quantidade de microdespertares (arousals).
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Presença de comorbidades.
Em outras palavras, o AHI é o guia inicial, mas o contexto clínico define a gravidade real.
Escalas e questionários: ferramentas de apoio
Embora não fechem diagnóstico, escalas ajudam a medir sintomas e risco:
1. Escala de Sonolência de Epworth (ESS)
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Pergunta quão provável é cochilar em 8 situações do dia a dia.
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Pontuação: 0–24.
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≥10 indica sonolência excessiva.
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Útil para monitorar evolução antes e depois do tratamento.
2. STOP-Bang
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Questionário de 8 itens (Snoring, Tiredness, Observed apneas, Pressure, BMI, Age, Neck, Gender).
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Quanto mais pontos, maior a chance de apneia moderada ou severa.
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Muito usado em triagens pré-operatórias e clínicas de sono.
Assim, ESS e STOP-Bang são excelentes para triagem, mas o diagnóstico definitivo continua dependendo de PSG ou HSAT.
Quando procurar um especialista
Você deve procurar avaliação médica se:
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Ronca alto e frequente.
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Alguém já observou pausas ou engasgos noturnos.
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Acorda cansado mesmo após muitas horas na cama.
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Cochila facilmente em reuniões, lendo ou dirigindo.
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Tem pressão alta de difícil controle ou histórico de AVC/infarto.
Portanto o diagnóstico precoce evita complicações sérias, incluindo acidentes de trânsito, insuficiência cardíaca, arritmias e diabetes mal controlado.
Mitos e verdades sobre o diagnóstico da apneia do sono
Afirmação | Mito ou Verdade? | Explicação |
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“Roncar é normal.” | ❌ Mito | Ronco frequente é sinal de obstrução e deve ser investigado. |
“Apps de celular substituem polissonografia.” | ❌ Mito | Apps apenas sugerem padrões; não medem apneia com precisão. |
“A PSG é desconfortável, mas necessária.” | ✔️ Verdade | Mesmo diferente, ela fornece dados completos para diagnóstico. |
“HSAT é suficiente em todos os casos.” | ❌ Mito | Não serve para apneia central ou casos complexos. |
“Escalas podem diagnosticar sozinhas.” | ❌ Mito | ESS e STOP-Bang só avaliam risco; não confirmam apneia. |
FAQ – Perguntas frequentes sobre o diagnóstico da apneia
1. O que diferencia PSG de HSAT?
A PSG registra sono completo em laboratório; o HSAT é portátil e mede parâmetros respiratórios em casa.
2. PSG é obrigatória para todos?
Não. Muitos pacientes podem ser diagnosticados com HSAT, se o risco for alto e o quadro simples.
3. É possível diagnosticar só com questionário?
Não. Questionários apenas indicam risco; o exame é indispensável.
4. Preciso repetir PSG após diagnóstico?
Sim, quando há mudança de tratamento (ex.: cirurgia, CPAP, perda de peso significativa).
5. Quanto tempo dura a PSG?
Uma noite inteira (geralmente 6–8 horas de registro).
6. O HSAT é confiável?
Sim, mas apenas para adultos sem comorbidades graves e com alto risco de apneia obstrutiva.
7. Posso comprar aparelhos de apneia sem exame?
Não. O uso de CPAP, por exemplo, requer diagnóstico formal e ajuste profissional.
8. Apps de ronco servem para diagnóstico?
Não. Eles podem alertar, mas não têm valor diagnóstico.
9. É possível ter apneia sem roncar?
Sim. Nem todos os pacientes roncam, especialmente na apneia central.
10. Crianças podem ter apneia do sono?
Sim, especialmente se tiverem amígdalas/adenoides aumentadas.
11. Apneia pode ser confundida com insônia?
Sim. Muitas vezes, o paciente acorda várias vezes sem perceber que o motivo é a pausa respiratória.
12. O laudo mostra só o AHI?
Não. Inclui oxigenação, estágios do sono e microdespertares.
13. PSG é dolorosa?
Não. Apenas requer sensores colados ao corpo.
14. Diagnóstico é rápido?
Geralmente, o resultado sai em poucos dias, dependendo do laboratório.
15. Todo mundo que ronca precisa de exame?
Se o ronco é frequente, alto ou associado a pausas, sim, a investigação é essencial.
Conclusão: diagnóstico precoce salva vidas
A apneia do sono é muito mais do que um ronco incômodo, dessa forma, ela é um distúrbio com impacto sério na saúde cardiovascular, metabólica e neurológica. Contudo, o lado positivo é que o diagnóstico é acessível e cada vez mais preciso.
Assim, com a polissonografia ou o teste domiciliar de apneia, somados às escalas clínicas, o médico consegue confirmar o quadro e indicar o tratamento mais adequado. Dessa forma, quanto mais cedo você busca ajuda, maiores as chances de evitar complicações e recuperar noites realmente reparadoras.
Em resumo: se você ronca alto, faz pausas ou vive cansado, não ignore. A apneia do sono pode ser diagnosticada de forma segura e, a partir disso, tratada com eficácia, garantindo mais qualidade de vida e mais saúde a longo prazo.
⚠️ Aviso: Este conteúdo é informativo e não substitui avaliação médica. Se suspeitar de apneia do sono, procure um especialista em medicina do sono.